quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Curitiba 360 Graus




O cinema brasileiro ao longo dos anos tem mostrado a cara do país, mas de uma forma bem homogênea: as produções situam-se no eixo Rio-São Paulo e Nordeste. O Rio Grande do Sul é uma pátria à parte que nos presenteia com filmes realizados pela Casa de Cinema de Porto Alegre, uma das mais importantes no cenário nacional. E o restante dos estados possuem obras que vão a festivais, mas raramente chegam às telas do circuito comercial. O Paraná colocou dois filmes na tela grande em 2012: Curitiba Zero Grau e Circular, que tem direção conjunta de cinco profissionais, incluindo Aly Muritiba (diretor do curta A Fábrica, que está entre os semifinalistas da categoria no Oscar 2013). 

O cineasta Eloi Pires Ferreira (diretor de O Sal da Terra), que traça um perfil do cotidiano dos curitibanos através de quatro histórias que se entrelaçam em Curitiba Zero Grau. O roteiro remete ao internacional 360 de Fernando Meirelles que também está em exibição, porém foca apenas na capital paranaense, numa fria semana de inverno. As quatros histórias são contadas separadamente e a narração é feita pelo personagem da história seguinte, fechando o ciclo e mostrando como cada evento na vida de uma pessoa pode interferir a terceiros que nunca viu.

Jaime (Edson Rocha), um empresário, sócio de uma revendedora de carros que está envolvido num problema: afundou a empresa em dívida após negociar carros importados no mercado negro e tem uma relação conflituosa em família. Márcio (Diegho Kozievitch), um motoboy que luta para cuidar da filha com sua namorada Daiane (Uyara Torrente, vocalista da Banda Mais Bonita da Cidade) e tentar reatar o relacionamento, que é dificultado pela sogra que o odeia e, durante uma briga de trânsito é alvo de um tiro que acerta um pedestre que acaba falecendo na calçada. Tião (Lori Santos) é um cara do interior que foi para a capital ganhar a vida, mas acaba vivendo com a família numa favela, sobrevive catando papel pela cidade e precisa de dinheiro para comprar remédio pro filho doente. Ramos (Jackson Antunes) é motorista da empresa de transporte coletivo de Curitiba, já calejado do trabalho tem um coração enorme e acaba acolhendo uma família catarinense em sua casa, um povo humilde que vai à cidade paranaense encontrar um familiar distante e tentar uma nova vida.

Os caminhos dos quatro vão se aproximando até se encontrarem numa noite fria de Curitiba e a vida de cada um tomar novos rumos. É interessante mostrar um lado humano, gentil e cortês do curitibano, diferente dos rótulos de povo frio e antipático, que muitos teimam em dizer. Os famosos pontos turísticos como a Ópera de Arame e o Jardim Botânico não são destacados. Vemos a Curitiba dos bairros afastados e seus apartamentos de conjuntos populares, das ruas centrais movimentadas, as linhas dos biarticulados, do cemitério Jardim da Saudade (onde meu avô materno está enterrado e por isso a cena no local foi marcante pra mim ='/ ).

Apesar de alguns problemas de edição - visível na abertura onde alguns planos são repetidos, dando impressão que faltaram tomadas a serem realizadas para construção da cena - e a fotografia apresentar falhas no foco na mesma sequência. Depois o filme engrena, apresenta cenas belíssimas e emocionantes, com atuações naturais e com o "curitibanês" na ponta da língua. Uma grata surpresa que vi no ano de 2012 e que poderia ter melhor sorte e ser apresentado em circuito comercial pelo país com maior amplitude.